Dias atrás, a jornalista Eliane Brum publicou em sua coluna uma entrevista com a psicóloga Rita de Cássia de Araújo Almeida. O tema, tão pertinente, rendeu linhas e mais linhas de reflexões que me fizeram, também, matutar sobre o assunto: por que não nos permitimos ser infelizes?
Os pensamentos e as conclusões interessantíssimas ali apresentados rodearam minha cabeça. Claro que a entrevistada vai além das questões que envolvem a maternidade, mas me ative especialmente a dois parágrafos por um motivo bem simples: o que é que muitos pais estão fazendo aos seus filhos. A afirmação que martelou fundo cá está: “Estamos produzindo uma geração de jovens que se quebram ao menor arranhão”.
Nunca fui de me preocupar excessivamente com as frustrações que meus filhos teriam ao longo de suas vidas. Tristeza, mágoa e até raiva fazem parte do ser humano – e, claro, não seriam meus meninos a passar ilesos por esses sentimentos. Confesso que, muitas vezes, eu poderia facilmente ter impedido que algumas lágrimas rolassem de seus olhos com apenas uma palavra. Mas não. Preferi seguir meu instinto de mãe e deixar que aprendessem que a vida é assim mesmo: num dia a gente tem, noutro não. E entre alegrias e sofrimentos, fui deixando que eles, apesar da pouca idade, aprendessem a lidar com aquilo que brota de dentro, do coração – e que muitas vezes dói fundo e chega a rarear o ar.
Mas tenho visto pais empenhadíssimos em criar filhos valentes, acima do bem e do mal, que desconhecem a palavra não e, portanto, não reconhecem o valor do respeito ao outro e, pior ainda, nunca experimentaram alguns sentimentos inerentes a todos nós. É disso que fala a reportagem: dos filhos que vêm sendo “condenados” à felicidade suprema por seus próprios pais. São crianças que pedem e são atendidas, que choram e ganham mais um brigadeiro, que gritam, se jogam no chão e conseguem mais um brinquedo mesmo que o dia não seja uma data especial e que depois de duas horas ele seja esquecido na gaveta, junto a outras dezenas de bonecos, carrinhos e jogos.
“(…) temos filhos que sabem como ninguém exigir a mercadoria que lhes convêm na prateleira. E temos pais que temem dizer não, pois não querem frustrar ou traumatizar seus filhos. Junta-se a isso uma sociedade que mede o grau de felicidade das pessoas pelo tanto de coisas, bens ou serviços que elas são capazes de consumir e chegamos a uma combinação perfeita. Que mais a sociedade de consumo pode querer?”
O tal direito à felicidade, de que tanto se fala em nossa e em outras sociedades atuais, põe à prova o real sentido do que é ser feliz. Ter tudo que se deseja? Não ficar triste? Não sentir raiva de alguém? Não chorar diante de uma perda? Porque se esse é o verdadeiro significado da felicidade, certamente nunca nenhum de nós a experimentará, e para sempre ela ficará restrita às produções de poetas, músicos e escritores, como pontuou Rita. Porque “não há como entender a felicidade com a razão, não é possível mensurá-la ou pensá-la como um modelo que valha para todos, todo o tempo”.
“(…) quando a felicidade for uma espécie de direito constitucional, poderemos também resolver nossas infelicidades nos tribunais. E assim seremos finalmente considerados incapazes de resolver por nós mesmos nossas frustrações e dificuldades de relacionamento.”
“Se estamos numa relação atribulada, felicidade pode ser um momento de solidão. Se estamos solitários, felicidade pode ser receber um telefonema. Guimarães Rosa, na pele de Riobaldo, diria assim: ‘No sertão, até enterro simples é festa’.”
Assim, talvez o melhor caminho seja justamente o inverso: o da infelicidade, que se sente quase todo dia e, sendo vivenciada em sua plenitude, é uma forma de se livrar das amarras que sentimentos não vividos nos impõem. Sentir tristeza, medo, solidão, frustração e aprender a compreender um não são premissas para a construção de uma criança sadia, coerente, forte e madura.
“Acredito que o desafio atual seja pensar um projeto coletivo capaz de trazer esse tema para a pauta, mas não para o campo da lei, da burocracia, da simples garantia de direitos, ou da ciência – mas, quem sabe, para o campo da ética. No campo da ética, as pessoas podem entender que elas também têm o direito de ficarem infelizes, que infelicidade não é doença, mas parte da condição humana – e que, sem ela, perdemos metade da nossa humanidade.”
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