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Bjs,
Sandra
Bodisatva: Um das bases fundamentais do Dzogchen é estar na presença. Mas há uma dúvida frequente com relação a que tipo de presença. Você pode explicar um pouco a diferença entre a presença ordinária, com a atenção focada no corpo, nas sensações, e a presença crua, instantânea?
Khyentse Yeshe Namkhai: Em primeiro lugar devemos entender que as palavras são muito limitadas, e que qualquer tipo de explicação é… limitada. Por exemplo, queremos distinguir de algum modo a presença instantânea da presença ordinária. Presença ordinária significa que eu estou fazendo algum tipo de esforço com a mente para estar sempre observando a mim mesmo. Eu digo: “Agora estou observando a mim mesmo, estou observando o que estou fazendo, como estou fazendo, como está o meucorpo, qual o motivo porque faço isso”, e assim por diante. “Se eu estou agindo, quem é o sujeito que age, com que propósito?” Essa é a idéia de prestar atenção em si mesmo, presença ordinária.
Mas se a atividade de observar a
si mesmo se torna espontânea, se torna um modo normal de se observar e
lidar com todas nossas ações, nossas ideias, nossas emoções, então
chamamos isso de presença instantânea. Presença instantânea significa
que há o reconhecimento da nossa condição natural e de como é essa
condição. Sempre apresentamos o ensinamento Dzogchen com o entendimento
da essência, natureza e energia. Essência é o mesmo entendimento da
vacuidade que podemos encontrar nos ensinamentos Sutra e Tantra. A
essência de tudo é a vacuidade.
Mas dessa vacuidade tudo se
manifesta, o que é chamado de Natureza. Quando temos conhecimento,
entendimento, do que se manifesta e como está se manifestando — que é
provavelmente parte do nosso estado natural — temos, num exemplo claro, a
natureza de estar vivo. Eu tenho a natureza de andar, comer, dormir,
fazer meditação, estar feliz, levar a cabo atividades ordinárias — nada
mais são que minhas próprias funções.
Se eu irei utilizar o conhecimento de
função, a função deve ter um propósito de levar algo a cabo, e eu
entendo que é algo normal e natural para mim. Com esse conhecimento, é
normal no ensinamento Dzogchen apresentarmos a compreensão de que a
Natureza é claridade. Mas claridade quer dizer que eu tenho um bom
entendimento dessas funções. Não estou lutando para obter essas funções,
não estou lidando com essas funções usando a minha mente. Eu entendo
que tenho que comer e eu como. Mas eu não transformo essa necessidade em
alguma outra coisa. Por exemplo, algo que é a manifestação do meu
apego.
Eu tenho de comer, então eu
cozinho algo com o que eu tenho. É diferente do que ter a ideia “não, eu
tenho de ir para o outro lado da cidade porque eu preciso comer naquele
restaurante, com aquele menu, naquela hora, com aquelas pessoas. E eu
devo me vestir de tal jeito, etc, etc”. Automaticamente, tudo isso
implica em criação de problemas. Porque para fazer isso e cumprir esse
projeto, não estou satisfazendo minha função ordinária de estar vivo e
comendo. Estou satisfazendo algum tipo de ideia que eu tenho. Como Buda
Shakiamuni disse, satisfazendo o ego.
Automaticamente isso cria um
problema, e eu sigo esse problema. Se eu não tenho esse reconhecimento,
ao mesmo tempo não tenho clareza do modo como estou manifestando minha
condição. Então minha energia vai ficar desequilibrada e vai haver
muitos problemas na minha vida. Todas as coisas vão ficar complicadas e
difíceis e no final o que eu tenho como minha condição é só uma série de
problemas. De um lado estou eu, a ideia de mim mesmo. E ali alguma
coisa, algo material, algo imaterial, uma emoção, algo como: “Eu quero
ter, eu preciso disso, eu preciso daquilo”, mas nunca estou satisfazendo
minhas funções primárias, minha necessidade primária.
Isso significa que estou indo
atrás da minha mente. Nada é realmente autêntico, tudo é apenas um jogo
da mente. E no final, se estou aplicado e me observando com alguma
presença, com minha presença primordial, e estou observando a mim mesmo,
devagarzinho noto todas essas coisas, a condição em que me encontro.
Fazendo algum esforço com essa presença ordinária, eu posso ter
entendimento disso, e lentamente talvez eu tenha mais clareza, que acaba
por desprender todos esses problemas e tensões.
Depois de um tempo, tudo começa a
ficar mais relaxado e todas essas funções não precisam mais ser
transformadas em algo complicado. Permanecem mais naturais. Essa
atividade de observação se manifesta mais espontaneamente: isso é a
presença instantânea. Significa que estou presente neste momento, não
preciso da ideia de mim mesmo como o observador. Não há a idéia de um
sujeito que observa alguma coisa, mesmo as funções naturais.
Esse “eu” que está fazendo alguma coisa
está tenso, há tensão impelindo essa atividade. Se precisarmos impelir
nossa atividade mental significa que há tensão. Se não há tensão, não há
a necessidade de ter esse “eu”. “Eu”
é sempre a expressão da tensão, e a tensão é gerada do carma, desde o
começo ela está relacionada com nosso carma. E a primeira tensão é
nascer, ganhar a vida.
Então não devíamos realmente
alimentar a ideia de que esse ensinamento é uma coisa muito elevada, e,
então, alguma coisa incrível, e que daí, num certo momento, aparece essa
presença instantânea… Nós entendemos mais sobre ela observando à nossa
volta: “Como são as coisas?”, e então isso se chama claridade — ai é
presença instantânea.
Se, ainda assim, precisamos ser
convencidos, isso significa que estamos na presença ordinária. Mas não
devemos ter dúvida que esse conhecimento vai chegar. Todo o método é
absolutamente lógico. Só nos leva ao entendimento da presença
instantânea, não conduz a nada diferente. É só causa e método, e
manifestação de uma causa. A causa é esse conhecimento da nossa
condição. Esse método vai levar, cedo ou tarde, a esse conhecimento. Vai
re-despertar esse conhecimento, essa capacidade de observar a si mesmo
naturalmente. Esse é um aspecto.